Abstract
Pretendemos analisar alguns trechos da ètica para buscar compreender uma célebre indagação espinosana: o que pode um corpo? Tradicionalmente, é a mente que governa o corpo. Tudo o que surge como criação ou inovação segue-se de uma ação da mente sobre o corpo. Não sendo este mais do que o lugar das relações necessárias, mecânicas ou, ainda pior, o lugar dos pecados, a liberdade não viria senão da sujeição do corpo pela mente. Esta não seria ativa senão na medida em que aquele fosse passivo. Com Espinosa, esse tradicional ponto de vista é inteiramente invertido e é esta inversão que acaba por dar sentido à questão "o que pode um corpo?". Com Espinoza, corpo e mente deverão ser ativos juntos ou passivos juntos. O corpo ocupa um lugar proeminente. Será ele também capaz de criação. Será ele um dos fulcros da liberdade. Eis o trabalho que procuramos empreender neste artigo. E, se muito já se escreveu sobre como, no século XVII, o corpo deixa de ser o lugar das doenças e pecados para tornar-se o lugar das relações necessárias e mecânicas, a inovação espinosana está justamente em ir para além do corpo-máquina. Contudo, o alcance desta empresa está estreitamente vinculado a certa tradição de comentadores que defendem o paralelismo na relação corpo e mente. A reflexão acerca do paralelismo faz-se portanto necessário para compreender como o sentido desta indagação espinosana suscita o desvelamento de todo um horizonte que se abre, finalmente, para o corpo e a liberdade.