Abstract
Determinar a relação entre ciência e metafísica na teoria bergsoniana da memória parece ser bem mais problemático que expor, pura e simplesmente, o teor crítico com o qual o filósofo geralmente abordou tanto a ciência quanto a metafísica, em seu esforço de determinação do significado da lembrança e da natureza do reconhecimento. Sem dúvida, a relação que Bergson manteve, em toda sua obra, com as tradições científica e metafísica foi predominantemente polêmica. Contudo, a crítica não dissimula o uso positivo que ele fez da ciência para alimentar uma metafísica que vai de encontro às concepções tradicionais da atividade filosófica. Foi justamente a partir da apreciação crítica de ambas as atividades que o filósofo elaborou a ideia de uma metafísica regulada pelos fatos, isto é, de alguma maneira controlada pela experiência. Ao que tudo indica, Bergson quis liberar a metafísica do ‘campo cerrado da dialética pura’, tornando-a uma disciplina positiva, tal como as demais ciências. Com efeito, as hipóteses sustentadas no âmbito da teoria da memória não foram aventadas especulativamente e afirmadas dogmaticamente; foram, ao contrário, conclusões obtidas com base na crítica e na reinterpretação dos resultados da pesquisa científica, mais exatamente, da psicologia empírica. Neste sentido, a teoria de Bergson é, ao mesmo tempo, avanço teórico e correção das concepções anteriores, na medida em que tais hipóteses metafísicas passam a orientar a leitura dos dados empíricos. É desta perspectiva que se pretende analisar a teoria da memória, a fim de compreender a relação entre ciência e metafísica como uma simbiose epistêmica.